Por uma dessas coincidências que costumam acontecer – tão comuns que já vou me acostumando –, quase ao mesmo tempo em que aceitava colaborar na exposição de fotografias do Giugliani um amigo me emprestou o livro da Vivian Meier. Uma senhora completamente desconhecida do mundo da fotografia que, quando não estava cumprindo suas funções profissionais – como babá dos filhos de uma família de Chicago na década de ’50 – dedicava-se intensamente à fotografia. Felizmente foi descoberta: as imagens que ela produziu são notáveis.
Guardadas todas as proporções, o Giugliani faz a mesma coisa: seu trabalho como reconhecido pesquisador em sua área, a medicina, se mescla, nas múltiplas viagens que ele faz, com o exercício da antiga paixão pela fotografia. Paixão que nasceu quando ainda menino, no Colégio de Aplicação, onde nos conhecemos no ano longínquo de 1964. Pouco depois de nos encontrarmos (eu tinha 15 anos!) ele começou. Chegou a trabalhar como fotógrafo, deu aulas de fotografia no colégio, acabou sendo absorvido pela medicina.
As fotografias dele são coloridas, as minhas são em preto-e-branco; ele faz cortes ao ampliar seus negativos, eu sou quase doentio em preservar os meus como foram feitos; elegi a fotografia como minha profissão, ele decidiu-se pela pesquisa científica. Em suma, ele é um fotógrafo amador, eu sou um profissional. Quê coisas, se é que existem, nos aproximam, ao Giugliani e eu? A fotografia, é claro – ainda que ele a pratique eventualmente, quase sempre em suas viagens, e eu a viva em tempo integral.
E isto é o que me interessou ao aceitar o convite do Giugliani: as relações entre os chamados amadores e os chamados profissionais. Faz tempo que o assunto me interessa, em especial porque não consigo entender ou aceitar as distinções feitas entre uns e outros; para mim
só existem bons e maus fotógrafos.
No também longínquo (todas as datas vão ficando longe...) ano de 2001, eu escrevi:
(...) Amador, portanto, é aquele que faz o que faz por prazer, para sua satisfação – por amor – e profissional o sujeito que assume a obrigação de fazer o que faz e “ganha sua vida” com esse trabalho.
Agora, cá entre nós: você conhece alguém que “exerça uma arte” a não ser por prazer? Ganhando a vida ou não, você já viu um músico não gostar do seu instrumento, ou um escritor ter horror de escrever, ou um fotógrafo detestar fotografias? Deve haver, mas serão muito poucos. E existem músicos profissionais, escritores profissionais e fotógrafos profissionais.
Ao menos nos limites das atividades que podem ser consideradas artísticas, ou capazes de produzir arte, a conclusão possível é que a distinção entre profissionais e amadores é inadequada ou desnecessária, e não serve para julgar nem deveria limitar as atividades de cada um. (...)
A este trecho do que foi escrito, devo acrescentar, falando deste caso aqui, que, mesmo que não existam médicos amadores (para nossa sorte), é mais ou menos isto, eu creio, que o Giugliani é: seja fotografando, seja pesquisando os mistérios da genética, sua competência resulta de fazer o que faz por exclusivo amor.